Apesar da expressiva demanda para psicoterapia, nem todas as pessoas conseguem “finalizar” seu tratamento. Alguns pacientes tornam-se vítimas de si mesmo. Utilizo o termo “vitimização” com base na experiência profissional em relação a pacientes que se vêem vítimas de sua trajetória de vida (de suas próprias escolhas).
As “vítimas” geralmente apresentam um baixo limiar à frustração e pouca persistência na resolução de seus conflitos, o que as levam, invariavelmente, a interromper o tratamento antes mesmo de iniciá-lo. Minha experiência revela claramente quando o paciente tende a interromper seu tratamento já nas primeiras sessões. Ou seja, mesmo quando não apresenta nenhum transtorno psicoafetivo importante ou sintomas depressivos que possam revelar fatores orgânicos preponderantes, ou, ainda, um transtorno de personalidade que o levaria sistematicamente as tentativas de sabotagem no tratamento, a “vítima de si mesmo” geralmente se mostra apática e resistente, principalmente quando se trata de uma abordagem terapêutica que exige sua participação e um considerável investimento no alcance dos objetivos contratados.
Penso que os fatores culturais possam, também, contribuir consideravelmente para este quadro sintomático. Vivemos a era das respostas rápidas, extremamente objetivas e, muitas vezes, supérfluas, sem embasamento, mas que podem produzir um efeito acalentador. Mesmo sendo momentâneo, ou instantâneo este movimento leva as pessoas a buscarem “tratamentos” que prometem a cura para as dores da alma com o mínimo de esforço possível. Algumas práticas, inclusive, propõem às pessoas um pensamento mágico “levando-as” a acreditar que basta pensar a solução e, esta, virá como num passe de mágica.
Nunca vivemos tantas ofertas de cura como agora. Nessa sociedade líquida – denominação criada e utilizada pelo sociólogo polonês Zigmunt Bauman – a prioridade é a instantaneidade e a conseqüente liquidez dos laços sociais, tornando as relações efêmeras e superficiais.
Parece que estamos retornando a uma outra fase, já vivida. Na antiguidade, antes dos cientistas fazerem as suas primeiras grandes descobertas, no campo da medicina e depois em outras áreas, recorria-se aos curandeiros e às religiões na tentativa de curar as enfermidades, de aliviar dores físicas e emocionais. Depois, a ciência, na sua evolução, apresentou inúmeras ferramentas de trabalho e recursos imprescindíveis para a cura de determinadas doenças e males da humanidade através de uma tecnologia avançada que tomou conta do mundo e que, na atualidade, consegue oferecer tratamentos de grande relevância para a sociedade. Doenças que não tinham nenhuma chance de remissão, hoje, se mostram de fácil resolução para a medicina. Outras são controladas por medicamentos de ponta e tratamentos altamente eficazes.
Na área da Psicologia não foi diferente. Evoluímos e continuamos nesse processo de evolução. Porém, ainda me surpreendo com a oferta apresentada nesta grande “Indústria da Cura” que propõe tratamentos milagrosos. Àqueles que você lê o anúncio da propaganda, que promete resolver todos os seus problemas sem que você tenha o mínimo de participação no processo de melhoramento e de evolução. Infelizmente, através da disseminação deste pensamento mágico, nossa sociedade acaba por alimentar um “falso self”, uma falsa identidade.
Assim, as “vítimas de si mesmo” se vêem à margem da evolução do conhecimento e da tecnologia. Alguns, com escassos recursos internos, não encontram outra saída que não seja ser “apanhado” nessa teia do encantamento, da sedução e da manipulação. Aliás, característica marcante de uma sociedade perversa como a nossa que propõe a ilusão e a conseqüente negação da realidade como uma saída plausível para todos os males da humanidade. Talvez seja por isso que muita gente (muita gente mesmo!) se mata em tantas Guerras Santas. Talvez porque não seja possível manter os olhos (da alma) abertos por muito tempo.