Dando seqüência, mais um post / artigo da Patrícia Luiza Prigol.
É comum no atendimento de crianças nos depararmos com conflitos originados em outra instância que podem se mostrar – por exemplo – através de um relacionamento conjugal problemático dos pais. Os pais, na maioria das vezes, por acharem que a sua função parental não é influenciada pelos seus próprios problemas conjugais, não têm ciência do fato de que estão destruindo com uma mão aquilo que constroem com a outra.
A terapia sistêmica familiar fundamenta-se nas teorias de comunicação sendo que a noção de doença mental é desconstruída, dando lugar aos problemas e transtornos familiares como expressão de estilos comunicacionais distorcidos e ineficazes.
Esta distorção dos vários estilos de comunicação adotados na família muitas vezes carrega consigo conflitos não-resolvidos de outras gerações, como da família de origem dos pais. São questões transgeracionais que podem se estender por muitas e muitas gerações. Alguns terapeutas utilizam a seguinte expressão na tentativa de ampliar o conceito do “conflito transgeracional”: é quando a alma da família (das gerações) adoece.
Desta forma podemos dizer que cada progenitor mantém a internalização de suas respectivas famílias de origem, com os correspondentes valores, crenças, estereótipos e conflitos. Há uma forte tendência no sentido de afirmar que os conflitos não-resolvidos dos pais da criança com os respectivos pais originais e seus antepassados, interiorizados, sejam reeditados através do vínculo estabelecido na relação com os seus filhos. Em muitas situações, esses conflitos não-resolvidos podem se manter em sucessivas gerações através das “identificações”, mecanismo utilizado para a transferência e a projeção desses conteúdos.
A criança que é encaminhada para o atendimento psicológico normalmente reflete conflitos de outra ordem. Muitas vezes a dificuldade apresentada pela criança é apenas o sintoma de que “algo não vai bem” e que pode estar relacionado a um âmbito maior do que o seu micro universo. E quando os pais são informados a respeito de um comportamento expiatório da criança, normalmente a resistência ao tratamento se manifesta, pois os pais não “esperam” que esses “segredos” ou conteúdos velados na família sejam revelados através da dificuldade manifestada pela criança.
Virgínia Satir, psicoterapeuta de famílias e autora de diversos livros da terapia familiar, denomina o paciente (adulto ou criança) – como P.I. (Paciente Identificado) que quase sempre denuncia o que não vai bem na dinâmica familiar. Portanto, tratar o indivíduo – seja criança, adolescente ou adulto – sem compreender o funcionamento de sua família, sem compreender sua origem, é incorrer a um erro primário. Por isso a história de vida pregressa do paciente é tão exaustivamente pesquisada e trabalhada em sessões de psicoterapia.
O que torna uma pessoa sexuada, com domínio, com boa auto-estima, segura de si, é a capacidade dos pais em reconhecer este(s) filho(s) na sua individualidade, validando suas ações e permitindo, com isso, seu crescimento. Entretanto, muitos pais fracassam nessa função que é primordial no desenvolvimento de uma pessoa com equilíbrio e com domínio de si mesma. Os pais que deixam de validar seus filhos estão normalmente decepcionados demais quanto ao seu relacionamento conjugal e excessivamente preocupados em satisfazer suas próprias necessidades para poderem até mesmo encarar os filhos na sua individualidade, muito menos ainda para verem as necessidades destes. Eles próprios, os pais, são resultado de funções parentais disfuncionais.
O resultado dessas relações disfuncionais e da omissão dos pais no processo de validação do filho é a insegurança, a baixa auto-estima, o sentimento de incapacidade e impotência frente aos desafios que a vida apresenta a cada momento. São pessoas que vão colecionando perdas e fracassos por não conseguirem acreditar e reconhecer seu próprio potencial.
Muitos adultos procuram a psicoterapia para mudar essa triste realidade, para refazer os pais interiorizados, para, em processo terapêutico, preencher essa lacuna, reconhecendo sua capacidade e validando suas ações, tornando-se, desta forma, indivíduos autônomos e capazes de bancarem as suas escolhas. Mudar o curso de sua história e romper definitivamente com legados e mandatos de outras gerações é possível. Basta coragem e o desejo de mudar.