Muitos casais procuram ajuda por manifestarem conflitos na sua relação conjugal. Entende-se, aqui, a “relação conjugal” como sendo qualquer relação que se caracteriza pelo desejo manifestado de uma união entre os pares. A busca de auxílio nesta área resulta, muitas vezes, na observância da interferência (declarada ou implícita) das figuras parentais e da posição que o cônjuge possivelmente ainda ocupa em sua família de origem. É exatamente aí que reside a maior dificuldade apresentada por muitos casais que se sentem invadidos em sua privacidade e, com isso, não autorizados a viver, de fato, uma relação afetiva com o seu parceiro. Uma das possíveis causas é o vínculo que ainda se mantém com as famílias de origem numa relação de dependência ou subserviência (sujeição).
Outro exemplo é quando os pais do casal, numa relação disfuncional, mantêm seus filhos aprisionados e a serviço de suas motivações, muitas vezes, inconscientes. Como não se trata de uma avenida de mão única, podemos também compreender que os filhos – nesta posição – acreditam obter, obviamente, ganhos secundários. O “pagamento” ou o ganho secundário pode vir através da busca do amor e do reconhecimento de sua função na tríade estabelecida. Na verdade, permanecem nesta condição tentando ocupar um lugar na família buscando sentimento de pertencimento e inclusão. Entretanto, a frustração por não conseguirem tal feito torna-se inevitável.
Freqüentemente me deparo com filhos que vivenciaram fortemente o sentimento de rejeição e a falta de validação de uma das figuras parentais (pais), causando-lhes sérios problemas de auto-estima e insegurança. Colocam-se a serviço da neurose conjugal de seus pais na tentativa de reparar a rejeição, acreditando obter a atenção, o amor e o reconhecimento através do desempenho demonstrados na tríade.
O fato é que tentar constituir uma nova família mantendo-se aliançado a outra, implica na dificuldade de entregar-se na relação que pretendem dar continuidade. É preciso, contudo, divorciar-se dessa dinâmica familiar para poder assumir a relação desejada. E para que este divórcio possa acontecer, os filhos precisam entrar em contato com o “real”, enxergando suas famílias e as relações mantidas como são de fato. Todavia, enxergar os pais reais – e não àqueles idealizados – também pode levar a um sofrimento emocional por perceberem a trama a qual foram envolvidos ou permitiram que assim fosse.
Para divorciarem-se das famílias de origem é necessário entrar em contato com a própria rejeição que sofreram e o lugar que nunca ocuparam na família. Dizer não a estes papéis de sujeição e anulação também pode trazer alívio e uma nova possibilidade de se relacionar consigo mesmo e com o outro. Do contrário, os filhos permanecerão alvo de manipulações e chantagens emocionais originárias de seus antepassados. Há, portanto, apenas uma saída: enxergar sua verdadeira função na família de origem, fazendo a escolha mais adequada que diz respeito aos seus verdadeiros desejos e as suas reais necessidades, visando assegurar a concretização de seu Projeto de vida.
Cabe destacar que nem sempre essa tarefa – que consiste na separação-individuação – é tão simples assim de se cumprir. Muitos precisam de auxílio terapêutico para que o resultado seja alcançado.
Também é importante destacar que existe diferença entre escolha conjugal e escolha afetiva. Normalmente a primeira escolha é muito mais racionalizada (em busca do par ideal) enquanto na segunda a escolha se mostra muito mais fundamentada no afeto do casal. Obviamente que a primeira escolha implica num risco alto para o casal, já que a mesma se mostra parentalizada, ou seja, baseada em figuras parentais substitutas na tentativa de suprir as carências do passado. Não obstante, os casais mais conscientes, quando se deparam com o contrato firmado numa relação de parentela, acabam por sofrer a dolorosa falta em relação ao desejo de estabelecer uma relação homem-mulher de fato. O filme baseado no livro “Divâ”, de Martha Medeiros, mostra bem essas duas facetas no processo da escolha conjugal. A personagem Mercedes arrepende-se de ter casado com um “pai-substituto” e vai em busca de novas aventuras. Vale a pena conferir!
De tudo, resta-nos o alento de sempre encontrarmos uma saída para os nossos dilemas, buscando, sobretudo, o nosso bem-estar e a nossa realização pessoal.