Pesquisa revela que 78% dos executivos sentem-se insatisfeitos com a função que exercem. Saiba como lidar com essa situação
Um clima de angústia parece rondar o ambiente corporativo. Mesmo sem se manifestarem abertamente, muitos profissionais de sua empresa podem não estar felizes no dia-a-dia. Se suas pesquisas de clima não identificam essa tristeza, atente para alguns dados antes de ter prejuízos como o baixo desempenho:
Estudo realizado pela consultoria HLCA Human Learning, do Rio de Janeiro, com 10 mil profissionais, mostra que 78% não estão satisfeitos com o trabalho. Os resultados indicam, também, que algumas pessoas podem obter êxito na carreira, ocupar altos cargos nas organizações, serem bem remuneradas, mas, entretanto, estarem infelizes profissionalmente. Entre as principais causas apresentadas para esse descontentamento, destaca-se a inadequação da pessoa com a função que exerce. Ou seja, o desenho da função não se alinha com o perfil do profissional. O mesmo estudo mostra ainda que 78% dos entrevistados não sabem qual é o seu grande talento.
Depois de ouvir mais de 300 executivos de RH em todo o mundo, sendo 16% latino-americanos, a IBM Business Consulting Services descobriu que mais de 60% deles têm dificuldades para identificar e desenvolver as habilidades e os talentos dos empregados, fundamentais para manter a competitividade. Isso significa que, quando a geração atual se aposentar, muitas empresas descobrirão, tarde demais, que a experiência e o talento de toda uma geração foram embora e que elas não contam com os recursos necessários para preencher essa lacuna. Como as organizações não sabem quais habilidades estão sendo perdidas, será difícil se planejar para as necessidades futuras.
Quando muito se fala em atração e retenção de talentos, em criar um excelente lugar para se trabalhar, em alinhar os objetivos organizacionais aos pessoais, essas pesquisas incitam algumas perguntas. Será que o RH está, de fato, cumprindo sua missão em identificar esses talentos e, depois, desenvolvê-los num clima de satisfação? Adriano Lima, vice-presidente de RH da Mastercard para a América do Sul, acredita que o velho ditado que diz que em casa de ferreiro o espeto é de pau se aplica ao RH. “Como vamos desenvolver os talentos da organização quando ainda não nos desenvolvemos?”
O executivo avalia que são comuns equívocos na definição estratégica do conceito de talento. De forma geral, conta Lima, um talento costuma ser definido como alguém que fala um ou dois idiomas, tem formação de primeira linha e experiência no exterior. “Nós, RH, cometemos esse erro quando, na verdade, devemos encontrar o talento que cada pessoa tem.”
Para Jorge Matos, diretor da HLCA, bem que as empresas se esforçampara manter, da melhor maneira possível, os poucos profissionais que têm. “Mas, de forma geral, elas não sabem exatamente o que a função exige desse talento e, conseqüentemente, há a dificuldade em ter a pessoa certa no lugar certo”, observa. Daí o clima de insatisfação que culmina, a médio e longo prazo, em estresse e baixa performance.
“Ter um talento no lugar errado é algo complicado”, reforça Antonio Salvador, consultor da IBM Business Consulting Services e especialista em gestão de capital humano. Ele dá como exemplo o caso de Michael Jordan, um dos maiores jogadores de basquete de todos os tempos, que achou que poderia jogar beisebol e mudou de carreira. “O seu desempenho no novo esporte foi pífio. Isso quer dizer que ele é incompetente? Não, apenas era um talento que estava sendo mal aproveitado. Ele estava no esporte errado. Quando ele retornou ao basquete, voltou a ser o melhor do mundo.”
Agora, passemos para um caso nas empresas. Imagine um atendente de call center com dificuldade em se concentrar, com pouca capacidade de desenvolver tarefas repetidas e de conviver com a rotina. “Em pouco tempo, ele vai começar a chegar atrasado, a deixar de cumprir tarefas. E logo estará fora”, avalia Salvador. Segundo ele, quando boa parte dos profissionais não coloca todo o seu talento na prática é porque políticas e sistemas de RH não estão funcionando. “É preciso agir e repensar processos. Os gestores precisam de ferramentas adequadas para atuar ativamente nessas situações”, destaca.
Dois pontos são fundamentais para identificar o talento e colocá-lo no lugar certo, na opinião de Lima, da Mastercard: conhecer bem a cultura da empresa e a própria pessoa. Além disso, como passo seguinte, ele sugere “blindar” os pontos negativos desse profissional com treinamento e feedback. “E aqui temos outro ponto de insatisfação. Costumo dizer que temos de ter habilidade de ouvir o inaudível. Cada vez mais você tem menos feedback: os chefes também estão pressionados pelos problemas e quando aparecem é para dar bronca.”
Ao perceber que um funcionário de sua equipe não estava apresentando uma boa performance, Cibele Castro, diretora de RH da GE, resolveu conversar com ele. Ela conta que o colaborador já tinha elaborado um plano de desenvolvimento, mas os pontos negativos ainda persistiam. “Mostrei os fatos para ele e não havia outra saída do que a demissão. Ele saiu chateado”, lembra. Porém, dois meses depois, ela recebeu uma ligação do ex-funcionário, agora mais animado, dizendo que estava numa função que gostava. “Somente quando saiu percebeu o quanto estava infeliz aqui”, diz Cibele.
Lima também passou por situação semelhante. Assim que assumiu o cargo na Mastercard recebeu a incumbência de demitir uma recepcionista. “Não me senti à vontade para isso, pois não estava por dentro daquele processo. Resolvi conversar com ela e tentar reverter a situação a partir de um plano de desenvolvimento”, conta. Atuando como coache, Lima foi assertivo no feedback. “Ela chegou a chorar, mas foi importante para se autoconhecer. Percebeu que possuía um grande talento em organização”, lembra. Atualmente, ela ocupa a gerência administrativa da Mastercard.
Cibele conta que na GE há um plano de melhoria de performance. Trata-se de um documento formal elaborado pelo próprio funcionário em parceria com seu chefe imediato cujo objetivo é estabelecer um roteiro com atividades claras e bem definidas, com prazos e formas de avaliação. Tanto em aspectos comportamentais quanto técnicos. Danilo Dias, gerente de treinamento e desenvolvimento da GE, acrescenta que essa é a oportunidade para que o funcionário possa virar o jogo, se for o caso.
Na elaboração desse plano, o próprio funcionário tem a chance de falar mais de si mesmo: seus pontos positivos, sua expectativa de desenvolvimento, que resultados apresentou, qual sua intenção de carreira. Depois, é a vez do chefe dar sua avaliação, apontar que carreira ele vislumbra para a pessoa, quais suas qualidades, seus pontos fracos, entre outros. Com isso, o RH tem um raio-x de todos os funcionários. “Então sentamos com cada líder de negócio para fazer o ‘ranking forçado'”, explica Dias.
Ranking forçado, explica o gerente, é uma lista que os líderes são instados a fazer a partir dos melhores profissionais. “É como se tivéssemos de organizar uma relação dos melhores aos piores amigos. Ela é feita, mas de forma forçada”, exemplifica. Assim, a GE consegue mapear seus melhores talentos, os potencias e aqueles que ainda precisam chegar lá.
“A partir dessa relação, discutimos quem é quem do ponto de vista de performance e de valores”, diz Cibele. E quando uma determinada área apresenta uma vaga, cruza-se os nomes dessa lista, suas expectativas de carreira e o perfil do cargo em questão. Havendo alinhamento, habemus papam!
Além da baixa performance, a insatisfação pode esconder um elevado nível de estresse no funcionário. Na pesquisa da HLCA, dos 10 mil entrevistados, 88% possuíam algum nível de tensão. “É muito mais fácil uma pessoa adquirir novos conhecimentos do que mudar seu comportamento numa função”, diz Matos. No levantamento que a consultoria fez, 96% afirmaram ter essa facilidade e apenas 1% admitiu ser mais fácil mudar a atitude conforme o cargo. Matos explica que essa tensão reside na cobrança sobre o indivíduo em ser o que ele não é. “Todo ser humano busca o conforto e evita um ambiente hostil. Se ele está na função errada, ele está desconfortável, não vai apresentar comportamentos verdadeiros”, diz.
Comportamento. Essa é a fonte dos grandes problemas nas organizações, na opinião de Adriana Albertal, diretora da Seven Idiomas. Atenta a isso, a escola implantou, recentemente, um programa de desenvolvimento de liderança cujo conteúdo está baseado em aspectos comportamentais. “Queremos tornar a empresa mais socializada e menos afiliativa ou paternalista. Ou seja, focamos no empowerment, na geração do sentimento de co-propriedade em cada um”, explica.
Por saber que mudar o jeito de ser de uma pessoa leva tempo, Adriana conta que o programa deve durar cerca de dois anos. A expectativa é atingir os 31 líderes da rede, que soma, hoje, 400 funcionários. Num segundo momento, essa equipe atuará como multiplicadores. “A liderança não é apenas exercida pelos líderes. Cada um tem de ser líder da própria vida”, diz. “Devemos sempre buscar o autodesenvolvimento e o autoconhecimento. Isso inibe a imaturidade dos profissionais e a insatisfação.”
Matos, da HLCA, comenta que as empresas ainda são resistentes à idéia de que as pessoas nas organizações têm características comportamentais específicas, que as orientam a ter sucesso em determinadas funções em detrimento de outras. Por isso, alerta, é fundamental ajudar os profissionais a conhecerem o seu perfil pessoal, o perfil do seu cargo, quais fatores deverão ser desenvolvidos ou redimensionados, suas tendências em relação ao trabalho, quais as pessoas que podem complementá-los comportamentalmente, quais suas necessidades específicas de treinamento e, finalmente, como eles poderão efetivamente mudar suas características, tendo como objetivo aproximar-se do sucesso pessoal.
Mas como identificar um talento? Salvador, da IBM, destaca o papel dos gestores nesse processo. “São eles que identificam e convivem com os talentos no dia-a-dia.” Por isso, continua, é fundamental treinar esses gestores com planos de carreira, planos de retenção e coaching.
Matos sugere aos gestores algumas reflexões que podem fazer para ajudar um profissional a descobrir seu talento: Em que contexto de mundo ele vive? Quem é ele do ponto de vista de conhecimentos e comportamentos? O que suas funções atuais ou futuras exigem dele?
Como reduzir os gaps identificados a partir das reflexões anteriores? Como ele pode montar uma visão positiva e estimulante de futuro?
Com grande experiência em programas de transição de carreiras para executivos, como outplacement counseling e o executive coaching, Vicky Bloch, presidente para a América Latina da DBM, assegura que identificar competências não é uma tarefa muito complicada. O que acontece é que muitas vezes não se sabe o que fazer com esse profissional depois. “Vou trabalhar quem? Ouvimos falar muito em sistema de competências, mas o que fazer de fato?”
Ela observa que a prática de não identificar ou entender um talento vem da escola. “O nosso sistema educacional não privilegia o autoconhecimento, apenas o conhecimento”, destaca. O jovem passa todo o período escolar sem ter a possibilidade de entender suas potencialidades e de como usá-las. “O sistema enquadra você no modelo que criou”, diz. “É um modelo autoritário, que desmotiva qualquer um.”
Para quem deseja identificar seu próprio talento, Vicky aconselha trilhar um histórico desde a infância. O primeiro passo é listar as situações desafiadoras por que passou e como atuou nesses momentos ou o que fez de forma excelente. “Quando menino jogava bola? Era o artilheiro? Era o capitão do time?”, sugere Vicky. Depois, avance até a vida profissional: reveja cada projeto que participou e busque lembrar de cada ação realizada para resolvê-lo. “A forma como você age dá as dicas das competências. Competência é aquilo em que você é bom e os outros reconhecem. Mas não vale a opinião de mãe”, brinca.
Se o talento não está na empresa e precisa ser recrutado no mercado, Robert Wong, consultor da P&L Educação Executiva e ex-presidente da Korn/Ferry International no Brasil, recomenda que os gestores, sobretudo o RH, antes da contratação, tenham na ponta da língua a resposta exata para algumas perguntas: Qual é o talento que nós queremos? Por que estamos recrutando essa pessoa? O que nós entendemos por talento? “É muito comum, entre as mais diferentes empresas, a relação relativa sobre o que é exatamente um talento.”
Salvador, da IBM, concorda e acrescenta que é necessário observar o cargo a ser preenchido a longo e a médio prazo sobre a visão do que se deseja para a empresa e o que se espera do talento. “Uma boa forma de se conseguir alcançar esse alinhamento é trabalhar uma boa gestão por competências”, diz. Porém, ele indaga: será que as companhias sabem exatamente quais são as competências necessárias?
“Contratar pessoas não é uma ciência exata. Uma pessoa que tem um excelente desempenho numa empresa não terá, necessariamente, os mesmos resultados em outra”, diz Wong. Dessa maneira, o fator sensibilidade, o chamado feeling, é fundamental para o RH saber quais as características técnicas ideais para o cargo e quais as características pessoais mais importantes. “Além, é claro, de conhecer bem a cultura da empresa.”
Na GE, quando existe uma posição em aberto, é feito um levantamento de todos esses aspectos em relação ao cargo e ao perfil do profissional. “E sempre levando em conta a nossa cultura”, reforça Cibele, diretora de RH da empresa. “Se o funcionário não estiver de acordo com nossos valores não vai se adaptar, vai se sentir infeliz e insatisfeito. Deve existir uma sinergia com os valores”, diz.
Ao perceber um grau de insatisfação como esse, Matos alerta que os gestores devem redobrar sua atenção para a performance do profissional e, também, necessitam fazer uma espécie de check list de outros fatores que podem minar a felicidade dos funcionários. Não se trata de aspectos como salário, ambiente de trabalho, qualidade da liderança. Esses influem, mas atuam muito mais como agravantes. O consultor explica que, com freqüência, itens como esses tinham um peso maior na insatisfação do funcionário quando este não estava alinhado com a função na empresa. “Se você gosta muito do que faz, essas questões passam a ter um peso menor.”
Na verdade, Matos sugere uma checagem da própria organização: O sistema é inadequado? O processo é burocrático? A tecnologia está ultrapassada? “É um bom momento para repensar a empresa”, diz.
No entanto, se a companhia está segura nesses itens, mas a pessoa não apresenta bons resultados, ou a muda de lugar e a desenvolve ou, se não houver opção de desenvolvimento, é dizer adeus para ela.
“O que o mercado deseja? Pessoas que possam ter alta performance: as que têm o conhecimento necessário; o comportamento ideal para a função; que têm a destreza necessária para o pleno exercício da função”, diz Matos.
“Todas as organizações têm as suas frustrações”, afirma Danilo Dias, gerente de treinamento da GE. Isso, naturalmente, cria algum desconforto nas pessoas, “mas fazer disso uma insatisfação geral é algo exagerado”, acrescenta. Ele acredita que por conta de o Brasil ter um índice alto de desemprego, na ânsia de não ficar à mercê do mercado, as pessoas acabam não aceitando um trabalho pela satisfação, mas sim para estarem empregadas. Entre o sofrimento de uma vida corporativa permeada pela sensação de angústia e o desconforto de estar à deriva no mercado, bons profissionais ainda preferem pagar o preço da “segurança” material imediata do que ter de investir tempo na busca pelo equilíbrio pessoal e profissional.
Danilo Dias aconselha: uma saída básica para quem não quer ingressar nessa triste, literalmente, estatística é ter coragem. “Muitas vezes, é isso o que falta nas entrevistas. As pessoas precisam ser elas mesmas e responderem à altura: ‘Desculpe-me, mas não era esse o cargo que tinha imaginado”, finaliza.