Somos seres gregários por natureza, portanto, temos que admitir que pertencer a um determinado grupo, no princípio, tornou-se uma questão de sobrevivência. A estória de Benjamin Button, personagem vivido por Brad Pitt no cinema, não se sustenta na vida real. Nascer velho e morrer na tenra infância, infelizmente (ou felizmente) não é a nossa condição. Nascemos totalmente dependentes do nosso núcleo familiar e nada podemos fazer para mudar esta realidade.
Assim, o meio em que vivemos durante alguns anos pode contribuir ou dificultar o desenvolvimento de nossas capacidades. Existem inúmeros fatores que influenciam diretamente o nosso desenvolvimento. Crenças, mitos, valores e princípios, hábitos e costumes compõem um cenário cultural de legados e mandatos que podem se perpetuar por diversas gerações. Este padrão de comportamento e de mentalidade que circula pelos vários “núcleos familiares” (várias gerações), imbuído, muitas vezes, de conflitos não-resolvidos, pode penetrar os porões do nosso inconsciente influenciando nossas escolhas e nossa caminhada.
Segundo a teoria psicanalítica, nosso inconsciente é uma espécie de “caixa-preta” (semelhante à caixa-preta de um avião) que registra as manifestações e ocorrências durante o nosso percurso, as quais nem sempre conseguimos acessar. Outras teorias afirmam, ainda, que carregamos – muito antes de nascer – certa bagagem que vai se apresentando ao longo da nossa vida. Contudo, não podemos negar a pré-disposição genética, constitucional e hereditária que, aliada ao meio em que vivemos, fará grande diferença em nossa trajetória.
O fato é que, se nascemos completamente dependentes, precisamos de uma família ou de progenitores capazes de dar conta da nossa sobrevivência durante a nossa infância, capazes de nos auxiliar numa árdua tarefa que se remete à “construção de nós mesmos”. Precisamos de um “outro” para nos construirmos. Mas o que fazer quando este “outro” (figura parental) fracassa nessa função primordial seja por incapacidade, negligência ou omissão? Vimos, anteriormente, que nossa bagagem, ao nascer, não está completamente vazia, que podemos encontrar algumas saídas para as nossas privações. São as chamadas “figuras substitutas” que podem nos assessorar quando nossa família fracassa na sua função. Estas figuras podem estar entre os nossos pares, os nossos iguais. É por isso que a criança usa o lúdico (com outras crianças também) na tentativa de resolver os seus “dilemas” e preencher suas lacunas.
Porém, haveria alguma conseqüência danosa para àqueles que necessitariam de um caminho alternativo? É comprovado que uma das conseqüências é gerada pela dúvida, a qual se manifesta dentro de cada “sobrevivente”. Dúvida em relação a capacidade de poder viver fora dessa dinâmica psicológica que os levaria a perpetuar sua história de privações e negligência. São estes os pacientes que se queixam de menos-valia, de sentimento de inferioridade e baixa auto-estima.
Como superar esta dúvida cruel? Seria possível romper com este “cordão” que os une à dinâmica de suas famílias de origem? Um dos caminhos trilhados na superação destes obstáculos está em poder se ver separadamente do contexto em que viveram. Enxergando-se de fora do círculo familiar, rompendo com mandatos e legados trazidos de outras gerações, as pessoas tendem a reencontrar o equilíbrio perdido, a segurança necessária para a construção da sua própria história de vida, não mais dependendo da bagagem dos antepassados para “sobreviver”. Separação-individuação representa um resgate da individualidade perdida.