Normalmente escrevo sobre temas relacionados à Psicologia. Contudo resolvi abrir um espaço, nesta coluna, entendendo que ao escrever sobre a experiência de vida de uma pessoa que completará 80 anos, pode nos servir de um exemplo que ilustra as mudanças comportamentais vividas na maturidade. Com o aumento da perspectiva de vida, uma nova identidade social vem sendo construída nas últimas décadas promovendo a inclusão de pessoas da maturidade em todos os segmentos da sociedade. O exemplo de hoje se chama: Clari Ferraro. Sua sabedoria e simplicidade revelam as vicissitudes e os dilemas vividos por muitos:
Minha tia, tia Clari, vai completar 80 anos de vida em setembro do corrente ano. Fui surpreendida – embora não fosse surpresa alguma, por conhecê-la -, com alguns recados deixados na caixa postal do meu celular. Ao retornar a ligação, tia Clari anuncia: “Vou fazer 80 anos e você é minha convidada. Vou reunir parentes e amigos. Uma festa simples, na chácara. Não precisa se preocupar com o trabalho. O almoço vai acontecer num domingo. Não quero presente, quero a presença de todos. Meus filhos comentaram que eu deveria ir a um restaurante e comemorar lá o meu aniversário. Mas não concordei com a idéia. Gosto de dar a festa para os meus convidados. Há pouco tempo mudei de residência. Não moro mais numa casa, moro num apartamento e troquei muitas coisas velhas por coisas novas. Não tenho muito dinheiro guardado. Minhas reservas se foram. Na verdade gastei quase tudo nesta mudança porque queria coisas boas, de qualidade mesmo! Mesmo sem muita reserva em caixa vou dar esta festa. Então, está feito o convite. Te espero lá”.
É bom lembrar que a tia Clari vem comemorando seu aniversário há muitos anos. É algo que realmente lhe dá prazer.
Sabe aqueles momentos que você, por um segundo, um curto espaço de tempo, retorna ao passado e como num flash-back recorda todos os bons momentos vividos ao lado das pessoas que você ama? Lembrei dos meus avós paternos e do amor incondicional que experimentei através deles. Foi um momento nostálgico, mas cheio de boas lembranças e de muita saudade. Não podia deixar este momento ir embora. Então convidamos minha tia para almoçar na casa dos meus pais. Queríamos saber mais dessa emocionante história de vida. Aliás, essa é uma das fases mais bonitas e interessantes na vida das pessoas, pois elas não se preocupam com o que os outros vão pensar a seu respeito. Soltam a língua e o verbo, falam o que pensam e como se sentem, sem vergonha ou medo algum. Como era de se esperar, tia Clari levou os álbuns de fotografia para recordar os bons momentos e os momentos de grande superação. A história da tia Clari não foi nada fácil, não foi um “mar-de-rosas”. Embora ela soubesse, com enorme sabedoria, lidar com os espinhos para ficar com as rosas passou por momentos de grande turbulência. Neste momento, ao relembrar as passagens da tia Clari, tive a certeza absoluta da influência dessa família na minha formação e na minha escolha profissional. Fui construindo a psicóloga que sou hoje através da experiência vivida nesses vínculos e em outros também. Recebi, como legado desta família, o respeito e o amor ao próximo, sem distinção ou discriminação.
A lucidez da tia Clari, reflexo da consciência que tem a respeito de si mesma e do outro, se mantém intacta, regada a muita leitura, é bom que se diga, pois tia Clari lê muitos livros, o que faz com que sua capacidade perceptiva, sua inteligência racional e emocional sejam exercitadas, preservando as funções mais complexas de sua mente, mantendo-se não somente atualizada, mas tornando-a mais próxima da realidade da mulher na contemporaneidade.
Ah! Outro segredinho da tia Clari em relação a sua longevidade e alegria de viver? Sim, ela tem muitos amigos, conversa bastante, joga carta e “general”, faz crochê para pessoas carentes, mora sozinha apesar de ter um filho-vizinho que a acompanha sempre. Cuida das tarefas domésticas mesmo com séria deficiência nos joelhos e articulações. Lava sua própria roupa. Mantém tudo limpo e arrumado. É vaidosa. Vive com a unha pintada e batom na boca. É mãe e avó exemplar. Ajuda no enxoval dos netos e se diverte nas festividades da família.
Quem faz as compras da casa, o rancho? A tia Clari! Ela anda de ônibus, circula por tudo. De bengala, é claro! Só não sai à noite sozinha. Dorme tarde, normalmente depois da meia-noite, para poder assistir os programas de televisão que gosta. Adora uma partidinha de futebol, vibra como se estivesse no estádio. Briga com o juiz, chama ele de… (bem, deixa pra lá!). Tia Clari viajou muito. Durante mais de 10 anos excursionou e se divertiu nas viagens que fez. Agora está um pouco “caseira” embora participe das festas, dos chás beneficentes e das reuniões que promove em seu apartamento para um bom carteado!
O que dizer para uma pessoa que completará 80 anos e que serve de exemplo de vida para todos nós? Apenas uma simples frase, porém, repleta de amor e consideração: Parabéns tia Clari! Meu amor por ti e pela família Prigol será eternizado! E a todos que lêem a minha coluna, especialmente este artigo, é bom que se diga: existem pessoas que simplesmente passam pela nossa vida, outras deixam grandes ensinamentos. A vida da tia Clari exemplifica o que Carlos Drumont de Andrade escreveu um dia:
“A dor é inevitável, mas o sofrimento é opcional”!